11.23.2010

Apenas mais uma sobre a morte.

E o anjo enfim tocou-lhe a face. Que belo rosto! Outro contraste. Tão doce e puro, melancólico e adoecido. Por que ele tinha que abraçar-lhe tão jovem? Ela não merecia tamanha dor.

Os mais intelectuais diziam que ela não sentiu aquele sutil toque, inerte e impotente. Os mais espirituais diziam que ela foi preparada antes de tudo acontecer, você está pronto para padecer? Mas em verdade vos digo, ela sofreu quando as pútridas mãos do anjo afagaram-lhe e levou a vida dela ao mesmo tempo.

Quando o primeiro dedo tocou a pela da jovem, ela queimou. Ao sentir o segundo dedo gritou, pois a pele rasgava devagar. O terceiro necrosou o tecido de revestimento e a ausência de tato a atingiu. Depois da tortura e da dor, anestesiada pelo seu limite, não sofreu mais, foi o final, a morte.

Não há mais vontade de descrever essa justa injustiça. Dói saber que a família da jovem sofre e chora e repudia o anjo que a colocou nos braços. A morte é justa, o morto que é injusto por não aceitar rapidamente o destino dele.

Não devemos descrever a face dos que ficam, daqueles que ainda não viram o anjo e sua nobreza. O rosto deles fica sujo de água e sal, ódio e angustia e às vezes até de asco. O amor pela morta não é visível. O melhor lugar para se encontrar o medo é em um velório. Quem não teme a morte?

Mas no fim das contas ela permanece morta, tão jovem, e o anjo permanece matando, tão cruelmente justo, e a tristeza fica se espalhando no lixo, no sujo, na lama e no sofrer.

11.10.2010

Onde guardei minha ilusão.

Felicity estava andando tranquilamente com seu cachorro, um labrador, a acompanhá-la. Cega, apenas podia sentir a leve brisa em seu rosto, o perfume sutil de rosas e o sabor de delicadeza que aquelas sensações a transmitiam.

Do lado de fora da cabeça da garota víamos tumulto, coco de cachorro, esterco de cavalo ou de vaca, ladrões, marginais e prostitutas. Uma mendiga passava ao seu lado com rosas murchas. As cores da cidade eram cinza e preto, o mesmo preto que Felicity admirava desde que nascera.

Cada um tem seu mundo. O mundo daquela garota era tranqüilo, alegre, agitado e belo. O mundo da mendiga era fétido, ríspido, rigoroso e sujo. A prostituta não queria mais ter mundo. O ladrão queria o de todos para si. Era sangue, dor entortada. Era ódio, amor dilacerado. Poderia ser qualquer sentimento, mas ele seria o que regeria o mundo de cada um.

Felicity já evitava chorar. Para ela era uma dádiva estar naquele lugar. A mendiga viva chorando, pedindo comida quando não tinha rosas para vender. A prostituta não chora porque se cansara de sentir algo. E o ladrão... Ah, esse ladrão! Esse sim chorava implorando perdão, enquanto em seu íntimo era mais feliz que Felicity, por não ser perdoado.

Cada um tem seu sentir. Nenhum é igual ao outro e é isso que faz essa estória ter sentido. Tudo existe graças ao que Felicity, a mendiga, a prostitua, o ladrão, e tantos outros sentem. È possível que eles façam parte de um todo, um bem confuso, cheio de conflitos e crises de identidade.

Foi aí que guardei... Aguardei minha ilusão chegar. No momento mais confuso onde fiquei inerte. Meu mundo não é igual ao de ninguém. Nem Felicity, nem a mendiga, nem a prostituta, nem o ladrão, nem tantos outros. Foi aí, nesse lugar intocável, nesse mundo inatingível, que guardei minha ilusão.

11.01.2010

Surto.



'Acho que surtei escrevendo frases desconexas, sem sentido algum, para nenhum ser vivo. Incluo-o me nesses seres. Sim! Eu sou um ser vivo. Respiro, choro, sinto, vivo... Talvez não com a freqüência certa, mas vivo.
'Realmente não estou em meu estado normal. Um vazio, uma, um surto de nervos apossa-se do meu corpo e de minha alma. Forças estranhas me atraem para um tão conhecido labirinto: minha mente. Provavelmente enlouqueci de vez no meu infinito particular.
'Não culpo nada pela minha loucura, muito menos culpo alguém. Isso tudo é apenas umas seqüência – ou seria conseqüência? – de delírios insanos causados pela falta de um complemento. Por um breve momento achei que eu era normal, mas percebi que isso foi apenas um surto psicótico que me impediu de ver a realidade.
'Tudo é tão louco. '