9.10.2011

Dueto

Duas pessoas. Sentadas uma ao lado da outra. O que falta pra se tocarem? O que falta pra perceberem que não existem separadamente? O que falta para sentirem falta um do outro? O olhar vazio... Permanece vazio e inútil, pois continuam a olhar pra frente, a não olhar para os lados.

Dois abismos. De solidão e sentimento. De mundo. Dois abismos de tudo. Nada é capaz de mantê-los fixos em si. Vagam por todas as dimensões, observam todos os rostos, sentem todos os gostos de vinho, mas não conseguem notar a presença tão perto, a presença um do outro, a vida um do outro.

Dois levantares. Os dois saem de suas cadeiras e andam. Um ao lado do outro, caminham por toda a jornada de vida. Caminham sem apoio. Caminham sem amor. Não são melhores um que o outro e sabem disso, mas não se vêem. Ao som do piano costumam dançar, e quando a música para de tocar eles assumem que dançavam sozinhos. Poderiam dançar juntos, mas por que não o fazem?

Dois cegos. Cegos por pessoas, cegos por abismos, cegos por levantares... Cegos pelo mundo. Eles se perdem em danças solitárias e sentam ao lado de desconhecidos conhecidos. Tomam nas mãos copos de vinhos sem ao menos notar o conteúdo vermelho, sem apreciar o sabor alcoólico, sem notar quão trabalhoso foi para aquele vinho chegar naquele estágio. Andam lado a lado sem enxergar que a solidão não precisa existir, que podem ter um ao outro.

Mas um dia, por mais tarde que seja eles olharão para o lado. Irão ver a cor dos olhos, dos lábios, da alma. Irão tocar suas faces, se abraçar, sorrir para a única pessoa capaz de tirá-los de vazios. Estarão completos. Mas que esse dia seja antes, e não depois.

8.17.2011

A paisagem

Olha lá aquela paisagem

Faz parte de uma eternidade.

Brilha no olhar da cria,

Com o jovem ela procria,

Vive sofrimento do idoso,

Cai sem sentido amistoso.

Ela grita, ela gira, ela erra...

Ela é ela.

Olha lá, vê de novo.

Talvez não tenha percebido o idoso.

Presta um pouco mais de atenção,

Ela sempre pertencerá ao coração.

Desculpa esse jeito descontente

É o que acontece quando

a paisagem se apossa da gente.

Nua como uma prostituta

A paisagem se apresenta vestida de morte

Nua como um objeto

A paisagem cresce na nossa sorte

Olha, pela última vez

Talvez não seja tarde para encontrar

Na paisagem do final

A eternidade para morar.

8.07.2011

É tão fácil

É tão fácil
Se perder num vazio
Deixar-se levar pela inércia
Vender suas esperanças para o mar
Libertar sua alma num copo amargo de dor

Foi tudo ilusão, simples
Nada restou daqueles sopros e beijos
Nada restou, nem vestígios de sua existência na minha cama
O que você fez, não irei perdoar

É tão fácil
Soltar palavras por aí e mentir para o mundo
Beijar outras bocas, tocar outros corpos
Vivenciar um amor inútil e irreal

Mas nada restou dessa simplicidade
E eu estou aqui caído, ferido
E amanhã irei acordar, sem lembrar seu nome, sem lembrar que existimos juntos.

7.27.2011

Como a muito não posto....

´ Eu queria que não fosse assim, que não tivesse sido assim. Mas não consegui evitar. A semente recusava-se a vir à tona, eu nem sempre tinha tempo ou vontade de regá-la, e não chovia mais – foi isso que aconteceu ´ Caiu Fernando Abreu.

Ninguém sintetizaria melhor meu último relacionamento.

7.04.2011

Apenas

Sou um lobo

Um anjo

Uma cor

Ou um momento

Sou um servo

Um algoz

Um criador

Ou um tormento

Sou aquele que te fala

Que escuta

Que sente

E sabe ainda mais

O caos de tua mente

A verdade escondida

A criatura perdida

E não há... Como voltar atrás.

6.25.2011

Anjo

Ele vivia isolado em uma ilha de amargura. Naquele lugarzinho fechado criado para que nada o pudesse abater. Mas de que vale se fechar ao mundo quando mesmo assim as lágrimas vêm e o atacam de surpresa. Ninguém é tão determinado que possa arrancar de seu peito todos os sentimentos. Isso o tornaria um anti-humano, o tornaria um anjo.

Anjo perfeito e intocado. Escute sua própria voz e veja seu semblante. Guie-se para o inferno ou para o céu. Está em suas mãos a escolha. Desde quando você sorri dessa forma triste? Desde quando você esqueceu o que é o amor? Não existe um garoto que viva isolado em um meio tão pútrido e amargo.

A Lua chora por ti, consegue escutar? Eu choro por ti, consegue me notar? Pare de fechar-se para a vida dessa forma doentia. Pare de aniquilar todas as esperanças que depositei em você. Deixe suas asas de lado e junte-se a mim nessa valsa solitária.

Anjos não existem. Por mais que existissem, não seriam perfeitos. Seriam de porcelana, sem sentimentos, frios e secos. Seriam de vidro transparente, quebradiço e cortante. Sem amor, sem detalhes, sem virtudes. Seria você se um dia parasse de amar.

Então vem, mostre-me que humano você ainda é. Mostre-se que a escolha está em suas mãos. E torne-se novamente aquele que um dia eu amei.

6.16.2011

Crio

Impossível esquecer teu toque, teu gosto, teu rosto

Não há como fechar os olhos e não lembrar

Agora tudo é sem brilho, é fosco

Agora existe um vazio, que causa mal estar

Já estivemos brincando com nossos lábios

Já criamos tempo, quando ele não havia

Desestabilizamos os instantes, ficamos em fios

Imaturos, vivemos intensos, enquanto o resto sofria

A Grande Criação não interessava

Religião, relação, reação, nada importava

Éramos nós dois e apenas isso

O restante era desprezível, nada mais que um processo

Voltaremos a ter tamanho sentimento

Ou vulgarizaremos cada instante do próximo momento

Ou esqueceremos os toques e os gostos

E ficaremos no tédio, no ócio, sem gestos